Milk: igualdade impregnada de realidade

 

Daniele Leonor Moreira

 

 

O conflito central do longa Milk é a luta pelos direitos dos não heterossexuais. A criação de leis que legalizem a união estável e que condenem a homofobia tornam-se tanto no filme quanto na vida real, uma batalha tensa. A maior justificativa para que não se efetive as leis fundamenta-se no aspecto religioso. Podemos assim refletir sobre certa pergunta: quantas “minorias” não sofreram e ainda sofrem por terem contra si uma justificativa religiosa?

O filme narra a vida de Harvey Milk (vivido por Sean Penn) e sua transformação em um ativista da causa gay. Após inúmeras tentativas frustradas, ele consegue se eleger como o primeiro político homossexual declarado em São Francisco, nos EUA, o que possibilita a consolidação de sua luta pela liberdade em prol dos não-heterossexuais (gays, lésbicas, bissexuais, travestis e outros). Ao longo de sua batalha, Milk conseguiu aliados e enfrentou graves problemas pessoais. Ele foi assassinado em 1978 e seu algoz foi condenado a apenas sete anos de prisão, o que contribuiu para Harvey Milk ser considerado um mártir da causa gay. Talvez a maior barreira enfrentada por ele tenha sido a alienação de certos direitos para aqueles que não se enquadram à ordem vigente. O cidadão Milk em todo o filme é notado como a voz da liberdade e da igualdade dos não heterossexuais.

Tendo como principal impedimento o aspecto religioso, a garantia dos direitos e da liberdade dos não heterossexuais nos remete a pensar até que ponto uma legislação é influenciada por determinada religião. Milk tem como principais ‘inimigos’ a senadora e o senador “religiosos” que fazem a oposição, fundamentando-se em determinados propósitos religiosos.

O filme revela-se amplamente impregnado de realidade. Toda a trama desenvolvida apresenta-se de forma gritante não somente nos EUA, como até mesmo no Brasil. Dramas da ficção e da realidade se entrelaçam nessa obra cinematográfica.

No Brasil temos um legislativo fortemente religioso que se posiciona diante de questões polêmicas pensando em suas convicções e raramente lembrando dos direitos e até mesmo da liberdade de expressão daqueles que não se encaixam na ordem estabelecida. Até quando os direitos humanos vão ficar a mercê de certas convicções? Quero deixar claro aqui que não nego a existência de Deus. O que afirmo é que Deus e religião não possuem necessariamente o mesmo significado.

A trama de Milk nos exemplifica a luta de uma minoria (não quantitativamente, mas pela falta de representatividade e reconhecimento de seus direitos) dentre inúmeras outras que lutam pela garantia da liberdade e dos seus direitos. Essas verdadeiras batalhas desenrolam-se em uma a sociedade dita pós-moderna e ao mesmo tempo conservadora na qual permite que muitos dos direitos humanos sejam regidos pelos princípios religiosos. Pensamos em um exemplo: Qual foi um dos pilares do estúpido preconceito racial que em uma sociedade ‘misturada’ como a brasileira, revela-se camuflado? Foi ele somente ‘científico’?

A violência de certos setores da sociedade não é exclusivamente contra os não heterossexuais. Outras ditas minorias também sofrem com a ignorância, ou não lembramos mais do índio queimado?  Leis que garantem a integridade física e moral dos não heterossexuais são covardemente negadas. Ás vezes parece que muitos cidadãos brasileiros ignoram a Constituição vigente no Brasil na qual diz em seu 5º artigo “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...” Mas será mais conveniente renegar a liberdade e a proteção em troca de supostas justificativas religiosas?

A luta por um espaço nas leis e mesmo na sociedade abastece todo o esforço do então político Milk, que devido a conflitos políticos é covardemente assassinado. Quantas outras lutas não são e serão travadas em nome de um espaço que garanta a liberdade dos indivíduos? A declaração dos direitos aponta sobre a liberdade, mas em certas questões ela parece não ser lembrada. A Constituição brasileira também não nos deveria deixa esquecer sobre a liberdade ao dizer “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Até onde esse trecho é respeitado ou sequer recordado?

A discussão central desse texto pode ser facilmente notada no filme. Não foi o objetivo combater e nem mesmo renegar qualquer religião que seja. O intuito aqui foi apresentar, através de Milk, até que ponto é certo permitir que os direitos humanos fiquem sujeitos a princípios que não sejam de igualdade, liberdade e justiça.